Thursday, July 12, 2007

RC: Insistentes.

Take my hand, and if I'm lying to you
I'll always be alone if I'm lying to you
Take your time and if I'm lying to you
I know you'll find that you believe me
You believe me

Take my Hand, Dido



- Eu não sei o que fazer da vida.
- Hein? - disse ela, aparentemente pega de surpresa com a frase dele.
- Eu não sei o que fazer da vida!
- Como assim? - disse ela, com tom de quem repetia a frase.
- Eu...eu não sei! - disse ele, abrindo os braços. Ela escorou a cabeça no ombro dele, mas sem tirar os olhos da TV que, sintonizada da MTV, mostrava um clipe qualquer.
Os dois estavam sentados no sofá da sala, em uma cena que teria uma completa cara de ressaca se não fosse o fato de que ambos estavam sóbrios. Apesar disso, havia um pouco de sono para inebriar os pensamentos deles. Claro, afinal a cena nunca pode ser perfeita.
Ele olhava com olhos vidrados toda essa atmosfera mostrada na TV, os clipes e toda a aparentemente glamurosa vida de músico. Money for nothing and chicks for free. Tudo isso parecia tão atraente para um menino que passara a adolescência trancado no seu quarto arrancando notas solitárias do seu violão.
Quebrando o silêncio, a mão dela pousou sobre a dele.
- Quer ajuda?
Ele olhou para ela de volta.
- Quer ajuda para descobrir o que você vai fazer da sua vida? - ela repetiu.
Ele queria dizer que sim. Queria mesmo. Mas tudo o que passava na sua mente eram dúvidas, medos e inseguranças, chamativos e insistentes como letreiros de neon na noite da Capital seriam para um alguém da Região Metropolitana.
Ele escorou a cabeça na cabeça dela, em silêncio mas sorrindo.
Era hora de ele virar um homem. Pois é nessa hora, na hora em que você sabe que deve abandonar sonhos inalcançáveis, que os meninos se tornam homens.

Sunday, June 03, 2007

RC: Se eu fosse rico

Quando tá escuro
E ninguém te ouve
Quando chega a noite
E você pode chorar
Há uma luz no túnel
Dos desesperados
Há um cais de porto
Pra quem precisa chegar
Eu tô na Lanterna dos Afogados
Eu tô te esperando
Vê se não vai demorar


Lanterna dos Afogados, Cássia Eller



- Caralho!
Atirei o telefone celular longe. Claro que não contra a parede ou algo assim. Atirei-o na cama, afinal não sou rico para pagar outro celular assim, do nada.
Se eu fosse rico, não estaria aqui sozinho, em um sábado à noite. Não estaria ligando para amigos que não me atendem, e que devem estar ocupados fazendo sexo com as suas namoradas. Tá, mentira. Exagero meu. Nem todos eles estão namorando. E nem todos eles estão fazendo sexo selvagem agora nesse exato instante. Eu sei. Mas porque olhando de fora sempre me parece isso?
Já estou cansado de ver menininhas sorridentes. Sempre as mesmas menininhas sorridentes. Loiras, morenas, não interessa, elas sempre existem, elas sempre estão lá. Porque existem mulheres? Porque elas não me deixam tomar minha cerveja em paz?
Se eu fosse rico, poderia eu também ter uma? Se eu fosse rico, pararia de correr atrás de quem não me quer? Corro atrás de ilusões, de mulheres que nunca me corresponderão, e eu sei disso. Letras de músicas e palavras compostas em vão para apenas ganhar respostas estilo "te amo" no piloto automático enquanto outros homens ganham sexo. Não, não é o sexo em si. Vocês não entenderiam. Ninguém entende. Eu quero e não quero namorar. Eu quero tudo e nada ao mesmo tempo. Se eu fosse rico, poderia comprar o tudo e o nada?
Saber o que eu deveria fazer eu sei. Mas me faltam forças. Se minha vida continuar do jeito que agora está, tenho quem me apóie. Tenho amigos com quem sair. Ao menos eu acho que tenho. Não, talvez eu não tenha. Idiota, eu acabei de atirar o celular exatamente por isso, porque ninguém atendia!
Ninguém atende. Ninguém me entende. Na verdade, nem eu mesmo. Que diabos de pessoa quer mudar de vida e recusa ajuda para isso? Mas sim, eu quero. Sinto-me amarrado a essa vida atual, a pessoas que, embora arranquem de mim algumas risadas, não matam a solidão em definitivo. No fim da noite, a solidão sempre impera. Sim, eu quero ajuda! Vida, onde posso comprar uma? What the hell am I doing with my life?
Talvez eu não mereça algo melhor. Já fiz muita coisa errada na vida. Mereceria alguém que gasta suas noites em bares acompanhado de cerveja uma segunda chance? Quisera eu estar em casa, meramente vendo um filme e comendo pipoca! Desde que houvesse quem fizesse isso comigo.
A raiva me consome e tenho vontade de matar a todas. Todas, todas essas meninas sorridentes randômicas, e seus namorados. Todos esses fantasmas que jogam na minha cara que, para ser feliz, me falta algo. Mate todas elas. Todas elas! Mate todas as meninas sorridentes e felizes, todas as garotas que passarão o dia doze de junho ao lado dos seus caras, enquanto eu estarei sozinho, ligando para telefones que não atendem! Matem-nas, matem todas as garotas felizes...porque a garota que eu na verdade queria poder amar não é feliz.
Se eu fosse rico, poderia amá-la?

Friday, May 25, 2007

RC: Unilateral

- Cada dia estou me enchendo mais!
Denise era ruiva. Não dessas ruivas artificiais, com cabelos vemelhos. Uma ruiva de longos cabelos lisos laranjas, do tipo que normalmente pedem sardas como acompanhamento. Mas nem isso ela tinha.
- Eu acho que vou te internar!
Denise ouvia os berros, e mal murmurava em resposta. Era difícil ouvir a sua voz. O que ela queria era pedir ajuda para a sua mãe, sentada ao seu lado no ônibus. Mas tudo o que recebia em resposta era coisas do tipo:
- Tu gosta de incomodar as pessoas, né? Só pode ser isso!
O ônibus inteiro ouvia a mãe dela berrando, e alguns olhavam fazendo cara feia. Eu, ocupando um dos lugares perto de uma das janelas do ônibus, só ouvia um doce e tímido sussurro como resposta.
- Tu vai fazer a prova sim!
Senti vontade de interferir e dizer: não, minha senhora, não é da prova que Denise quer fugir.Ela soluçava baixinho, os dedos tímidos cobertos por uma luva cor-der-rosa movendo-se freneticamente. Na parte de cima da luva, uma enorme borboleta lilás. Quem dera Denise do nada pudesse bater asas e voar, como uma delas. Ela se sentiria bem demais naquele instante se pudesse fazer isso.
- Pessoa cega é quem não enxerga!
Cega, ela? Não, Denise só havia trocado os óculos naquele dia. E o que mais doía na sua alma, mais do que o frio entrando pela janela do ônibus, era o fato de que Daniel não gostasse dos seus novos óculos. Ele, Daniel, era loiro, sarado e, além de ser o alvo da paixão de Denise, era o cara mais popular da sala.
Denise mexia os dedos nervosamente, pensando nisso ao som dos berros da mãe. Ela queria ajuda, ajuda desesperada. O que se faz quando se tem 14 anos e se está apaixonada? Mas a mãe dela não a ajudava, e só pensava em uma coisa:
- Tu não pode rodar esse ano!
- Mãe, eu nunca rodei! - disse ela, como que por milagre fazendo sua voz audível. A voz de Denise era linda. Mas a mãe a ignorava, e seguia gastando sua verborréia toda, adiantando vários anos na vida da menina:
- Tu precisa entrar em uma boa faculdade! Olha para o Davi, consegue entrar em qualquer uma!
O Davi. O inoxidável irmão de Denise, cujo prazo de validade nunca vencia. Davi era perfeito em tudo, e ela era a irmã mais nova que nasceu de araque.
Se Denise pudesse de verdade saber das coisas, ela saberia que Davi, na verdade, não era tão perfeito assim. Mas, se ela pudesse saber das coisas, como eu sabia naquele instante, provavelmente ela escolheria saber outras coisas. Ela poderia escolher saber, por exemplo, que ela estaria livre para fazer sua prova de literatura tranquilamente, porque Daniel não estaria nem aí para ela. Daniel estava ficando com Alice, a menina mais cobiçada da sala. Na verdade, Alice era uma burra loira e sem peito que viraria mãe solteira em algum lugar nos próximos dois anos futuros enquanto Daniel morreria sozinho em uma cama de hospital com AIDS.
Enquanto isso não acontecia, Alice tinha um séquito de seguidores na sala. Um deles, chamado Calos, era o fiel escudeiro de Denise. Carlos era alto, magro e desengonçado, e era a dupla de Denise para a prova de literatura de hoje. Ele que havia dado o chaveiro de ursinho que balançava pendurado no fichário de dálmata de Denise. Em uns dez anos, Carlos seria um engenheiro de sucesso, formado nauela universidade pública famosa, e em uns quinze anos, ele e Denise estariam casados e criando umlindo casal de crianças. Por hora, os dois limitavam-se a sofrer juntos por migalhas de atenção de quem realmente não os merecia.
Nesse tempo todo que eu estive falando para vocês, a mãe de Denise seguiu praguejando feito uma louca. E foi nesse instante que eu desejei matar Denise. Desejei a ela uma morte lenta, com muito sofrimento. Não, não por causa dela. Não queria ver aquela adorável ruivinha de uniforme azul-escuro sofrer. Queria, sim, que a mãe dela sofresse. Que a mãe dela sentisse muita dor e que, ao ver a filha no leito de morte dela, pedisse perdão pelas ásperas palavras proferidas. Queria que a mãe dela entendesse que existem seres do sexo feminino que amam, tenham eles 14, 24 ou 34 anos. Por isso, só por isso, eu estava desejando a morte de Denise naquele momento.
A senhora sentada ao meu lado me pergunta se o ônibus vai até o Mercado. Não,snehora, este ônibus vai só atéo terminal Rui Barbosa, no Centro. Logo o ônibus pára em frente a um tradicional colégio de Porto Alegre e Denise desce.A mãe dela segue no ônibus, e começa a protestar com a senhora ao lado sobre como a juventude de hoje está perdida.
Denise olha para a frente do colégio e, de longe, reconhece Daniel parado, de pé em frente à porta. Em uma infundada esperança de que ele estivesse ali por causa dela, Denise atravessa a rua correndo, apenas para ser atingida em cheio pela Pajero do pai de Alice. Tudo acontece em uma fração de segundo, e algumas pessoas ainda dentro do ônibus no qual Denise estivera chegam a perceber o burburinho de alunos no meio da rua. Carlos, tentando abrir caminho em meio à multidão de alunos que se amontoou ao redor de Denise, vira para trás e lança ao ônibus um olhar de profunda raiva, do fundo dos seus olhos castanhos. Não, Carlos, eu não matei Denise.

Thursday, April 05, 2007

RC: Paciência

RC: Paciência


'Look at me - see me'
'Look at me - save me'
'Free me - find me'
'cos if there's
Somebody for someone
Yeah look at me


Somebody for Someone, The Corrs



- E ela me disse que ele repetia "Ela é um gênio!" enquanto falava de você.

Quantas pessoas ao longo da sua vida você encontra?
Com quantas delas você poderia ficar junto para sempre?
Quem disse que há apenas uma pessoa no mundo que poderia ser a pessoa da sua vida?

E ela ouvia a mãe dela contar o que a outra mãe dissera. Quem diria, ela havia impressionado alguém do gênero oposto. E com o atributo que ela sempre achara que não impressionaria ninguém, mas com o qual ela sempre sonhara impressionar: a inteligência.

Não, não estou falando daquele amor platônico não-correspondido pro anos. Esqueça isso! Estou falando daquela pessoa que passou pelas suas mãos e mesmo assim você deixou-a ir.

Os dois não eram tão diferentes, tinham em torno da mesma idade e em comum tinham a atenção que ambos dedicavam aos computadores. Para ela, era o hobby que ajudava a espantar a solidão. Para ele, era o ganha-pão, e a questão de se trabalhar com o que se gosta.

E porquê você deixou ela ir?

Mas também tinham muitas diferenças. A principal delas era os dois filhos a esposa que esperavam a ele em casa, enquanto ela estava bem longe de algo parecido.
A primeira vez que eles se viram ela nem sequer estava arrumada, estava com suas roupas mais largadas, roupas para se ficar em casa. E estava jogando Street Fighter no pc com um emulador de Playstation. Surpreendente? Para ele sim. Para ela era a rotina.

Momento errado, talvez. Quando ela por fim apareceu, seria errado você ficar com ela. Centenas de anos atrás, Shakespeare já nos falava sobre o homem certo no momento certo. Para você, foi o momento errado.

Eles ainda se viram outras vezes. Ele deixou com ela um modem de 56k que nem fez questão de ter de volta quando ela passou a usar Banda Larga. Ela tinha um pc problemático, e o modem ADSL dela era mais problemático ainda. Ele adicionou ela no msn para ver o que conseguia fazer, e ela não acreditava que alguém usasse o msn para fins de trabalho e riu da cara dele.

Ou será que a culpa é sua? Você se atirou com sede ao pote. Ao primeiro pote que viu. E depois encontrou outro pote melhor, mais bonito, que atende melhor as suas necessidades. Mas agora você não pode abandonar o primeiro pote.

Mas ele percebeu no que havia se metido. E logo logo o nome dela foi deletado da lista do msn dele. Uma amiga dela dissera que o caminho para o coração de um homem passa muito perto das preferências dele. Dizia a amiga que às vezes cai neles a ficha de que é necessário mais do que um corpinho e um rostinho bonito: um cérebro também ajuda. Uma garota que pudesse fazer companhia no fliperama e que não o chamasse de idiota ao ouvi-lo dizer que queria um novo videogame. E, quando um dos melhores amigos dela disse que iria começar a trabalhar com computadores, ela lhe disse que assim ele poderia conhecer garotas. O amigo dela respondeu que não era uma boa, porque a maioria das meninas não sabia muita coisa de computadores.

Não estou questionando quem você ama. Você sabe, o amor é aquele sentimento puro, intocável e blá blá blá. Mas eu estou questionando quem seria melhor para você.

Ele lembrava-se do dia que a ficha caíra. Ele estava saindo da casa dela, sem ter conseguido fazer aquele maldito modem conectar. Chovia muito, ela oferecera um guarda-chuva, mas tudo o que ele pediu foi uma sacola para não molhar o modem. A sensação de incompetência por ter falhado mais a dor que a queda da ficha o ocasionava quase chegavam a fazer seu corpo, molhado pela chuva, doer. Porque tinha de ser tudo assim? Ele era um bom moço, havia se esforçado tanto, era o único dos seus irmãos que havia feito "algo que prestasse" na vida. Porque agora ele se sentia tão impotente? As vozes na cabeça dele dizendo que ele era um perdedor, como fazê-las parar? Ele era esforçado, um bom pai, um bom esposo. E ela? Ela era um gênio. Seria ela um gênio, como naquele programa de TV que a garota morava dentro da garrafa e fazia magias? Magia, talvez fosse isso mesmo, porque uma garota assim não deveria existir. Não após você já ter achado alguém.

Arrependimento mata? Pois então, arrependa-se. Arrependa-se! As mães não raro dizem para que vocês namorem apenas depois da faculdade. Elas dizem isso porque sabem que a ficha que está caindo em você agora não cai tão cedo na vida de um homem.

Diálogos vinham à sua mente:
- E a sua esposa, ela gosta de computadores também? O que ela faz neles? - ela lhe perguntou.
- Joga Paciência. - ele respondeu, tentando rir.

Paciência. Era o que lhe restava. A vida dele já estava traçada. Casado, pai de dois filhos, enquanto ela flutuava magicamente livre por aí. Ele olhou para cima. A chuva pingava nos seus óculos, e ele mal conseguia enxergar. Porque tudo tem de ser assim? Porquê?

É tarde para voltar atrás, e nessa você perdeu. Volte para sua mulher e filhos. Sua esposa normal, com suas dúvidas e necessidades de garota normal. Já era.

- Cala a boca! - ele gritou.

Eu, calar a boca? Claro, posso perfeitamente parar de falar. Afinal, você mesmo irá carregar isso para sempre agora, e não precisará de alguém para ficar lembrando.

Saturday, March 31, 2007

RC: Brincando de morrer

A vida de um sonho é complicada quando você tira ele do armário. Apenas com este conto que apresento a vocês, garanto que o meu sonho perdeu alguns quilos devido ao esforço. O trabalho foi considerável, ainda mais pela intervenção musical que me fez mudar o destino original da personagem principal do conto. Algum dia, todos esses contos com RC estarão em um bonito livro, que vocês poderão ler nas suas próprias mãos ao invés de online. Sei que pedir comentários não fará algumas pessoas que aqui passam comentarem, mas mesmo assim, peço que comentem. E aproveitem! :)




RC: Brincando de morrer


Chegamos perto do final
Eu fico assim porque não sei me conter
Só conheço uma luz
Não vejo lógica no fim
Odeio ter que esperar para saber
O que é tão claro pois
Quebraram o relógio do universo
E eu não vou ficar para trás
Trocaram o errado pelo certo
Cem anos não me bastam mais
Mesmo assim, não fique aí parado, meu rapaz

Relógio do Universo, Lunática



Acabava mais uma manhã de aulas. Bandos e bandos de garotas saíam das salas, radiantes, com sorrisos alegremente estampada nos seus rostos. Conversavam sobre o conteúdo recém-aprendido, e os planos para o fim de semana ao lado dos namorados. Eram tão felizes que a felicidade delas parecia resplandecer ao Sol.
Porém, nem todos estavam brilhando naquele fim de manhã de sexta-feira. Será que é obrigação das pessoas ter felicidades que resplandecem ao Sol? Será que, apenas tendo isso, você é normal e pronto?
Eram essas perguntas que passavam na cabeça de uma menina isolada que, de longe, observava as colegas como quem via um programa na televisão. Ela abaixa a cabeça e olha para o visor do celular, deixando os longos cabelos loiros pendendo ao lado do rosto. Não havia nem ligações nem mensagens. Para que diabos ela tinha aquele maldito aparelho, que não recebia nem mensagens nem ligações? Se ela fosse alguém com mais determinação, ela atiraria o celular longe naquele mesmo instante. Mas ela não fez nada. Era geralmente o que ela fazia: nada. Os outros é que faziam, eles é que normalmente iam embora da vida dela.
A manhã que então findava era a de um dia de outono, que então deixava o pátio do campus cheio de folhas. Ela podia sentir o vento mexendo no seu cabelo e batendo contra seu corpo magro. Quantos quilos ela tinha perdido desde que toda essa história começara? Desde que ela entrara em queda-livre? Não há como saber o tamanho do estrago até se chegar ao fundo.
De repente, como um tiro em meio ao silêncio sem palavras, o celular tocou. Era o último resquício de família que ela ainda tinha: sua mãe.
- Oi, mãe. - disse ela, levando o aparelho ao ouvido enquanto lutava contra o vento batendo nos seus cabelos. - pode falar, estou ouvindo.
- Carolina, onde você está? - A voz da mãe dela ainda soava excessivamente preocupada. Haviam passado menos de quinze minutos do fim da aula, onde ela poderia estar? Mas ela mal levou isso em consideração, deveria ser uma preocupação natural para uma mãe que já perdeu um filho.
- Acabei de sair da aula, mãe. Hoje só vou ver aquelas aulas e depois vou pra casa, acho que antes das cinco eu chego.
A mãe dela disse "Ah, tá" e desligou. Aparentemente, a necessidade de segurança diária dela já havia sido suprida. Carolina começou a caminhar afastando-se do prédio de aulas, as folhas levadas pelo vento batendo nas suas costas. O cabelo, sendo levado pelo vento o tempo todo, a incomodava. Ela era uma estudante de Pedagogia, que dava aulas particulares para crianças no seu tempo livre. No entanto, quem a tivesse visto no começo da faculdade poderia até mesmo não a reconhecer agora. Com vinte e um anos, cerca de uns vinte quilos e incontáveis sorrisos a menos, Carolina vagava pelo campus afora, sem amigos. Enquanto caminhava para fora do campus, revivia as memórias dos útimos acontecimentos.
Talvez o mesmo vento, que fazia seus cabelos esvoaçarem, ajudasse a levar as pessoas embora. Ela lembrou-se do dia que, não muito tempo depois de ela ter passado no vestibular, ela chegou em casa para receber a notícia a respeito do seu irmão. Ventava um pouco no dia que ela soube que ele tinha se ido para sempre. Aquele rapaz alto, loiro, de ombros largos, que tanta segurança lhe passava, não existia mais. Mal havia Carolina se acostumado a ter passado de filha mais nova para filha única quando mais uma pessoa havia se ido da casa. Enquanto ela estava na aula, ela perdera uma daquelas cenas que fazem a rua parar para olhar, e que teve como resultado o fato de que, ao chegar para o almoço, apenas sua mãe estava em casa. Seu pai havia se ido também.
Qual era o problema das pessoas, que se iam assim, tão facilmente? Tão simplesmente? Deixar de existir é tão simples? Ela própria pensava em desistir, em sumir também. Parecia ser tão fácil!


Carolina marcava suas aulas por telefone, então ela acabava por conhecer seus alunos apenas no momento da aula mesmo. Ela parou em frente do prédio no qual estaria seu aluno de hoje. Era um desses prédios históricos. Um prédio velho. Desses que, quando você vê, você fica em dúvida se eles ainda são habitados normalmente ou se estão ali apenas para que as pessoas lembrem do passado ao olhar para eles. Ainda parada em frente ao prédio, apenas seus olhos azuis se moviam, observando este e aquele detalhe da construção. Prédios antigos faziam com que ela sentisse cheiro de morte. Ela torceu o nariz e tocou a campainha.
Quem abriu a porta foi um sorridente garoto de cabelos ainda mais loiros do que os de Carolina. Ah, não, mais sorrisos, pensou ela. Por um instante, ela desejou desaparecer, evaporar no ar, enquanto ouvia a vozinha feliz do garoto lhe dirigindo a palavra.
O garotinho loiro, que não deveria ter mais do que seis anos de idade e usava uma roupa parecida com um pijama, então a conduzia ela pela casa, cheia de corredores que dobravam aqui e ali, parecendo um labirinto. Um labirinto agoniante. Haviam nas paredes lindos quadros e o chão era forrado com belos tapetes bordados. Mas ainda era um labirinto agoniante. O garotinho falava sem parar, enquanto ela já havia desligado do que ele dizia, e apenas o seguia automaticamente. Os olhos dela estavam presos ao estranho cenário que aquela casa formava. Dentro daquela casa, ela sentia-se em algum lugar do século dezoito. Os móveis tinham aparência de móveis antigos, mas todos reluziam, mostrando que eram novos ainda. Estava difícil de entender o que estava acontecendo.
Até que eles chegaram à sala. Era uma sala ampla, e com poucos móveis. Encalavrada em um canto da sala, havia uma mesinha, com cadernos e livros. E na parede, de frente para a porta, um quadro enorme, que parecia ser um retrato do próprio menino. Carolina caminhou lentamente até a frente do quadro, os braços pendendo soltos ao longo do corpo, sua pasta estilo carteiro batendo na sua perna. Parou em frente a ele, e apenas então, ela se deteve a olhar os detalhes. A roupa que o menino usava no quadro soava a ela como algum tipo de fantasia, com babados e rendas. Parecia saído de algum lugar incerto do passado, algo semelhante às ilustrações representando o personagem principal do livro O Pequeno Príncipe, talvez.Apesar da diferença óbvia de idade, alguma coisa nele fazia com que ela pensasse no irmão mais velho que ela perdera. Os olhos dele eram de um verde-água, água de um mar calmo, mas que poderia atacar com ondas enormes a qualquer instante. A qualquer instante mesmo.
- Não se mexa! - o garoto gritou, e Carolina virou-se na direção dele, que estava perto da porta, atrás dela. Ela ouviu o som de algo movendo-se contra o vento, e de pequenos objetos balançando. O teto estava descendo? Não, era o lustre que estava caindo. Indo exatamente na direção dela. Ela quis correr. Quis gritar. Mas não fez nada disso. Era geralmente o que ela fazia: nada. O corpo dela caiu ao chão, com os cabelos loiros esparramados, empapados de sangue, mesmo sangue que formou uma poça no tapete ao redor dela.



Ela abriu os olhos. Olhou para o próprio corpo, nada aparentava estar faltando. No entanto, havia sangue nas suas roupas. Passou a mão nos cabelos. Estavam cheios de sangue. Mas não havia corte, não havia ferimento. Com os olhos parados, olhando para nada, ela tentava entender o que estava acontecendo.
Ela olhou em volta. Aparentemente, ela estava em algum tipo de sala. Escura. A única fonte de luz na sala era algo que de longe parecia um espelho, localizado às costas dela. Com que por instinto, ela seguiu a luz e aproximou-se do tal objeto. Tocou nele, e sentiu que ele era gelado, semelhante a vidro. Na verdade, parecia mais uma janela. No entanto, ao olhá-lo de perto com os olhos fixos nele, ela percebeu que o que ela estava vendo era nada mais nada menos do que o enorme quadro que estava na sala do menino. Era como se ela estivesse vendo o quadro pelo avesso. No entanto, o garoto, que antes posava sozinho imponente no meio do quadro, agora tinha uma companhia retratada nele. Uma garotinha loira, de longos cabelos lisos escorridos, de cerca de seis anos de idade, trajada num estilo similar ao do garoto, e com uma cruz na mão. Parecia incrivelmente com ela própria. Ela tentava lembrar se o garoto estava já anteriormente segurando uma cruz, mas ela realmente não conseguia lembrar disso.
A pintura que antes estendia-se na parede agora parecia ter sido feita em vidro mesmo, pois era possível para ela enxergar a sala na qual ela estivera a poucos intantes atrás apenas olhando para "o outro lado" da pintura. E lá, no meio da sala, era possível ver seu corpo estendido. A garota soltou um grito de admiração e levou as duas mãos à boca ao ver seu próprio corpo estirado no chão da sala, deformado com o impacto do lustre sobre ele.
- Você conseguiu - disse uma voz atrás dela.
Era o garoto. Sua voz soava agora um pouco grave demais para ser uma voz de criança, mas era ele mesmo.
- Você me matou! - exclamou ela, virando-se para ele bruscamente, com o seu espanto estampado claramente na sua voz.
- E você não queria morrer? Não era isso que você queria? - respondeu ele, sério, olhando ela de braços cruzados.
A resposta desarmou ela, que baixou os braços e ficou parada, olhando para ele. Ele seguia encarando-a, sem sorrir. Sim, era verdade, ela dizia com frequência que queria morrer. Mas ver seu corpo inerte e desmantelado não havia passado pela sua mente.
- Eu só...queria...
Ela queria fugir. Fugir de tudo que estava dando errado. Fugir de tudo que acontecia de maneira imprevista, de um jeito que ela não sabia o que esperar. Fugir de tudo que ela não sabia controlar.
- Eu lhe dei o que você queria - ele ainda a encarava, quase com cara de raiva. - e agora ninguém mais vai fugir. Ninguém mais vai magoar você.
Ela olhava para ele com uma expressão apavorada estampada no rosto, os olhos lacrimejantes. Queria fazer alguma coisa, mas não sabia o quê.
- Olha - disse ela, se esforçando para formular seus pensamentos o mais claramente possível - isso é um mal-entendido, eu quero voltar.
- Para quê? - disse ele, de braços cruzados, impassível - Para continuar sendo abandonada?
Ela não via resposta para isso. Ela achava que ele tinha razão, então como contrariar?
- Tem várias coisas que eu ainda não fiz na vida... - chutou ela. Foi o que lhe viera à mente na hora.
- Como por exemplo....?
Ela girou os olhos. Olhou em volta. Olhou para cima, como se isso a fizesse entrar em contato com os próprios pensamentos. De repente, com a rapidez de uma luz que é acendida na escuridão, uma idéia lhe ocorre:
- Eu nunca amei ninguém!
A surpresa com as palavras dela ficou evidente no rosto dele.
- Nunca amou ninguém? - repetiu ele, como se não acreditasse.
- É! Você sabe, eu nunca namorei ou algo assim...
A vida de Carolina no departamento amoroso era até então uma coleção de declarações não-correspondidas e de amores platônicos, nenhuma chance de relacionamento real. Se alguém dissesse a ela poucas horas atrás que ela usaria isso para salvar a própria vida, ela provavelmente teria olhado para a pessoa com sarcasmo e dado risada.
Ele ficou parado, olhando para ela, sem emitir um único som. Permaneceu assim por um tempo, até que por fim ele falou:
- Depois de tudo que você passou, depois de tudo que você viu...você ainda quer tentar isso, só para ser abandonada de novo?
Ela tentava juntar forças para contra-argumentar. Ela por fim conseguiu dizer:
- Bem...se eu morrer, eu não vou nem ter como tentar, né? - disse ela, tentando sorrir timidamente.
- Você passa o tempo todo pedindo uma coisa e, quando a ganha, diz que não quer mais...depois não me venha reclamar! - disse ele, com raiva.
Mal ele terminou de pronunciar essas palavras e a luz que provinha do quadro se apagou. A sala ficou totalmente escura. É o fim em definitivo, ela pensou. Ficaria na morte para sempre. O primeiro pensamento que lhe ocorreu foi sentar em um canto e chorar. Ela, porém, logo sacudiu a cabeça, balançando para os lados os longos cabelos loiros:
- Sentada não chegarei a lugar nenhum.
Em uma escuridão na qual não se via nada, Carolina estendeu os braços para a frente e saiu andando, sem saber para onde, sem saber esperando o que encontrar.
Ela não saberia dizer quanto tempo ela passou caminhando no escuro. Ela não saberia dizer quantos milhares de vezes ela pensou em desistir. Mas ela seguiu caminhando. E, por fim, bateu em alguma coisa semelhante a uma parede, que tinha textura de madeira. Não, não era uma parede: era uma porta. Tinha uma maçaneta, gelada e arredondada. Girando a maçaneta pode-se ouvir o gemido da porta ao ser aberta e logo uma luz forte e intensa cobriu os olhos azuis dela: ela estava na rua de novo.
- Acho que eu vou sair da comunidade "Eu nunca morri na minha vida" - disse ela, e começou a caminhar no caminho para casa.

Sunday, March 18, 2007

RC: The Other Side.

Recentemente resolvi abrir o armário no qual eu guardava meus sonhos, e esbarrei com um deles dormindo, lá num canto escuro. Era o sonho de um dia lançar um livro de minha autoria. Esse sonho é gordinho e sedentário, pois é alimentado há vários e vários anos. No entanto, os olhos dele são muito sensíveis à claridade, pois ele nunca vira o sol. Praticamente ninguém que me conhece sabia da existência dele. Guardei um outro sonho meu, que estava magro e cansado de tanto trabalhar, e resolvi tirar esse sonho do armário. Para isso, tive de mexer em outro armário, o armário no qual guardo algumas das minhas idéias literárias, digamos assim, e colocá-las para fora também.

Todas as vezes que vocês lerem este pequeno texto que vocês estão lendo agora antes de um conto aqui no blog, significa que esse conto está sendo cogitado para o meu livro. Por isso, quer você seja uma pessoa desconhecida acessando randomicamente meu blog ou quer você seja um amigo meu que me conhece a anos, peço que você comente. Se você estiver lendo isso antes do texto, e se você vir as iniciais RC no título do texto, por favor comente o que achou a respeito dele aqui no blog, pois estes textos necessitam de um feedback. Talvez vocês vejam textos irem e voltarem, textos serem postados mais de uma vez, com apenas pequenas diferenças no texto original. É assim mesmo que é para ser.

No momento, as idéias estão correndo por aí, como hamsters na esteira. Preciso da ajuda de vocês para saber quais delas devem continuar ganhando ração após a corrida.





RC: The Other Side.



The Grass is always greener on the other side.
Side, Travis





Todo dia era a mesma coisa. Minutos e mais minutos amontoavam-se sendo desperdiçados dentro de um ônibus, cheio de gente, e isso tudo apenas para se chegar onde se precisava chegar. Apenas a jornada já era cansativa, o que dirá o resto do dia?
À medida que o ônibus entrava na Free-way, era possível ver as expressões paradas das pessoas contrastando com a paisagem se movendo rapidamente do lado de fora da janela. Uma massa amorfa de pessoas indo trabalhar, indo estudar, indo, enfim, cuidar das suas vidas. Um rebanho de pessoas paradas dentro de uma caixa se movendo estrada afora.
Para quê?
Era isso que ela se perguntava, olhando pela janela. Ela bocejava, mecanicamente passando a mão pelos seus cabelos lisos. Ver seu próprio reflexo contra a janela, ver seu rosto flutuando em meio à paisagem da rua seria surreal, se já não tivesse visto isso todo dia. Rotina. Até mesmo algo surreal, em contato com a rotina todo dia, acaba desbotando.
- Roberta!
Roberta virou-se e olhou para a garota sentada ao seu lado no ônibus. O vento que entrava pelas janelas abertas do ônibus fazia o longo cabelo da garota ondular, às vezes cobrindo seu rosto. Ela repetiu o gesto mecânico de passar as mãos no próprio cabelo, enquanto ouvia a garota falar:
- Ontem estreou a segunda temporada de Card Captor Sakura! Agora a Sakura converte as Cartas Clow em Cartas Sakura, e elas ficam cor-de - rosa!
Era normal ela largar um assunto assim, do nada. Sempre que Roberta ficava quieta, ela se encarregava de não deixar a situação por muito tempo assim. Parecia a Roberta que ela queria apenas um pretexto para ouvir a voz dela, como se qualquer assunto no fundo apenas servisse para carregar consigo um "Ei, fale comigo!" embutido atrás.
- É mesmo? - disse Roberta, olhando para ela e logo em seguida voltando o olhar para a janela - e o Shaoran, como fica nessa temporada?
Com Roberta tendo dito seu turno, agora ela seguiria falando. Roberta gostava do som da voz dela, era suave e infantil. Mas, com a própria Roberta perdida nos seus pensamentos, a voz dela era apenas uma suave e infantil música ambiente. Junto com as árvores passando rapidamente do lado de fora, Roberta sentia que algo estava se indo. E rápido, como a paisagem lá fora. Mas o quê?
- Ei, eu perguntei o que você acha! - Roberta levou um cutucão no braço. Ela não estava a par do assunto. Apenas ouvia a voz dela ao fundo. Sim, ela gostava de ouvir ela falar. Então, onde estava o problema?
- Eu acho que a Sakura deveria ficar com a Tomoyo - arriscou Roberta, sem ter certeza de a quantas o assunto andava. Ela sentia algo se esvaindo, algo sendo levado embora junto com o vento que soprava forte dentro do ônibus. Ela olhou para a garota ao seu lado. Desejou que ela dissesse o que havia de errado. Desejou que ela dissesse o que estava se indo.
- Eu também acho! - respondeu ela, com um grande sorriso, os olhinhos negros brilhando. Ela parecia tão feliz simplesmente por estar ao lado de Roberta, apenas por isso!
Não, ela não podia ler seus pensamentos. Claro que ela não poderia dizer o que ocorria, disse Roberta para si própria, tentando se convencer.
E a cena se repetia dia após dia. Roberta seguia perdida em seus próprios pensamentos. Até que, na sexta-feira, algo de diferente brotou, como uma flor que nascera perdida sozinha no alto da montanha:
- Você já se perguntou para onde vão todas essas estradas?
Roberta virou-se e olhou para ela subitamente, sem nem passar a mão nos cabelos. Será que, de tanto pensar, o vento levara os pensamentos de Roberta voando até a mente dela? E ela apontava para fora, traçando com os dedos linhas que seguiam as diferentes estradas da Free-way.
- São tantas estradas, e a gente segue sempre a mesma. O que será que tem nas outras?
Nas outras estradas, o que haveria nas outras estradas? Certamente algo que vivo e brilhante, que não haveria ainda desbotado pela rudeza do contato diário com a rotina.
- Depende da estrada - respondeu Roberta, sem conseguir colocar seus pensamentos em palavras. Mas ah, a semente estava lançada. As outras estradas, claro!
E então o domingo chegou.
Os mesmos raios de sol que costumavam incomodar os olhos das duas quando elas estavam dentro do ônibus agora entravam janela adentro e encontravam a garota de cabelos longos dormindo. Dormia ela, com uma camisolinha branca, e foi assim que Roberta, que estava de jaqueta de couro e calças jeans, encontrou-a quando ela abriu a janela. Atrás de Roberta havia um carro vermelho, com o porta-malas abarrotado de coisas. Roberta apontou para o carro e disse:
- Pegue suas coisas e vamos embora!
A confusão era evidente nos grandes olhos negros dela, que olhavam para Roberta e piscavam, silenciosamente pedindo uma explicação. Roberta ajudou-a arrumar suas coisas e, com uma grande mala, as duas entraram no carro e foram se afastando cada vez mais da casa dela. Logo a paisagem familiar fez com que ela começasse a reconhecer o caminho que ambas estavam pegando: era o mesmo do ônibus de todo dia.
Por fim, o carrinho vermelho chegou na Free-way. Roberta olhou pra ela e, com um sorriso maroto, disse:
- Vamos ver o que há nas outras estradas?
Ela não respondeu, apenas manteve os olhos arregalados enquanto viu Roberta atirar o carro para fora da estrada, caindo no matagal que ladeava o acostamento. E quem passasse ali de ônibus naquela hora veria o carrinho vermelho abrindo seu próprio caminho em meio ao mato da beira da estrada, tocando a grama fresca e novinha que ainda não havia sido pisada antes.







Post escrito ao som de:

Garnet Crow - Kaze to Rainbow
Garnet Crow - Kono te o Nobaseba
Garnet Crow - Mawari Michi

Wednesday, March 07, 2007

Como dizer que te amo: um fanfic

Novamente, material de reciclagem! Um fanfic de King of Fighters que eu escrevei a um tempo atrás estrelando meu "casal" favorito da série de jogos - Kensou e Athena - e é referente ao KOF 2003, ano no qual o time dos Psycho Soldiers foi formulado sem a Athena, que estava no High Schoolgirls Team. Não postei esse fanfic em lugar nenhum, e é a primeira vez que ele sai à luz. Aproveitem!

Kensou & Athena: como dizer que te amo

Fim de 2003. Athena Asamiya estava separando as cartas dos fãs em meio a correspondência normal, escolhendo as mais comoventes para usar no seu especial de fim de ano na TV Tokyo. Bao e Kensou estavam rondando Athena enquanto isso, tentando se esconder atrás da parede mais próxima , enquanto ela parecia bem concentrada no que fazia e não reparou nos dois.
- Estamos quase em dezembro... o que dou de presente para a Athena esse ano? - disse Kensou, inquieto. Bao ficou pensativo por alguns segundos e respondeu :
- Que tal qualquer coisa que tenha escrito "eu te amo"? - disse ele, inocente.
Kensou esticou o pescoço para enxergar o que Athena estava fazendo . Ela acabava de abrir um pacote enorme com um urso de pelúcia branco, o qual segurava um grande coração vermelho com um "eu te amo" escrito.
- Ooohhh, que fofo!! - exclamou ela - já disse para eles não fazerem isso.... deveriam doar esses bichinhos fofos para crianças que precisam deles.... - e, mudando de expressão, acrescentou - ei, acho que eu posso dizer isso no programa! O que você acha disso, Kensou?
Kensou arregalou os olhos ao ouvir seu nome e Bao começou a rir da cara engraçada que Kensou fez. Saindo de trás da parede, Kensou parguntou, surpreso:
- Você sabia que eu estava aqui ??
- Claro! - respondeu Athena, com o sorriso normal que desarmava Kensou.
- Mas...como? - perguntou ele
- Fácil : ouvi sua voz quando perguntou para Bao sobre o presente de Natal.
Bao riu mais ainda quando viu o rosto de Kensou ficando coberto de um vermelho cada vez mais forte.
- Uh...é....eu .... - Kensou patinava nas palavras e não saia do lugar . Até que saiu do lugar fisicamente falando : saiu correndo enquanto Athena ria dizendo "que kawaii".
Kensou corria, corria, corria até que parou de correr e se escorou na primeira parede que viu . Bao vinha atrás , mas sem correr. Ele, Bao, já estava acostumado a ouvir as histórias desses dois, embora não houvesse muito o que fazer. Quando Bao chegou, encontrou Kensou sentado no chão.
- Eu não entendo vocês dois, sinceramente - disse Bao, inocentemente dizendo o que para ele era a verdade.
- Sempre fica pior nessa época do ano - disse Kensou - a cada ano novo que chega, tenho medo de perdê-la....
- Perdê-la como? - perguntou Bao - você tá sempre junto com ela ...até nas turnês você vai!
- Não é distância física - respondeu Kensou, mais sério - tenho medo de perder o coração dela....
Para Bao, não parecia haver maneira de Kensou perdê-la , a menos que Athena deixasse os Psycho Soldiers, já que os quatro estavam quase sempre juntos. Até os fãs de Athena já os conheciam, e Athena tivera de dizer várias vezes que ela e Kensou eram "apenas bons amigos" para acalmar a multidão masculina de fãs que ficavam sabendo que havia um homem vivendo debaixo do mesmo teto que ela.
Naquele mesmo dia, no fim do horário destinado ao treinamento, Chin estava novamente chamando a atenção de Kensou por não estar com seus poderes devidamente desenvolvidos a essa altura, e foi nesse momento que ouviu-se uma voz fininha gritando "Athenaaa!" . Todos pensaram que outra fã havia invadido o local de treinamento de novo, mas não era uma fã : era Hinako. As duas correram uma em direção a outra e , após uma tonelada de cumprimentos extremamente kawaii, Athena pediu licença e saiu com Hinako. Kensou achou estranho Athena sair sem trocar de roupa antes. Chin limitou-se a dizer aos que ficavam que podia sentir que "Hinako trazia grandes novidades". Quando Bao perguntou se as novidades eram boas, Chin respondeu que isso estava fora do seu alcance; sabia apenas que eram novidades. Kensou ficou olhando para as duas que sumiam no horizonte, torcendo para que aquilo fosse apenas "coisa de menina" e nada mais.
Quando Athena retornou naquela noite, Kensou estava na cozinha, às voltas com uma grande porção de nikuman que ele mesmo resolvera fazer para distrair-se e não "pensar bobagem". Se nikuman tivesse teor alcoólico, Kensou já estaria bêbado, pois havia comido uma boa perção deles. Quando Athena chegou, ela ouviu-a conversando com Chin e Bao, mas , ao invés de sair correndo para vê-la (sua atitude normal) , resolveu terminar a fornada de nikuman e levar o mais gordinho de todos para ela. Ou talvez isso fosse apenas uma desculpa para justificar o sentimento estranho que passava na cabeça de Kensou naquele instante. Mas o próprio Kensou afastou essa hipótese , acreditando na sua apaixonada sinceridade de apaixonado.
No instante em que Kensou entrou na sala com o bolinho de nikuman quentinho nas mãos, Chin estava terminando a frase da qual Kensou ouviu apenas:
- ... e vc precisa contar isso também para o Kensou ...
- Contar o quê? - exclamou Kensou , surpreso, quase deixando o nikuman cair.
Kensou olhou para Athena e sentiu uma hesitação no olhar dela. Mas, segundos depois, Athena sorriu e, puxando Kensou pelo braço, disse:
- Venha, vou te mostrar uma coisa !
Athena levou Kensou para seu quarto. Apenas pensar no quarto da Athena deixou Kensou vermelho, mas lago provou -se que não era nada: Athena parou em frente ao guarda-roupa, tirou de lá uma roupa vermelha e disse:
- Veja , Kensou, minha roupa para o especial de fim de ano. O que você acha dela?
Kensou analisou a roupa nas roupas de Athena. Assim, apenas nas mãos dela, parecia apenas um pedaço de pano vermelho, e Kensou não entendia onde ela queria chegar. Em uma atitude que surpreendeu Kensou, Athena perguntou:
- Quer que eu experimente?
Kensou ficou vermelho e Athena tomou isso como um "sim". Empurrou Kensou para fora do quarto e começou a se trocar. Kensou ficou parado do lado de fora da porta, olhando para o nikuman ainda em suas mãos. Sabendo que Athena demorava muito cada vez que ia se trocar, Kensou largou o nikuman na cozinha e voltou para seu posto na porta do quarto. Devem ter se passado entre quinze e vinte minutos desde que Athena entrara no quarto para se trocar e Kensou esperava lá fora. Quando Kensou começou a achar a demora acima do normal e resolveu se escurar na porta para esperar, Athena abriu a porta do quarto e ele caiu estatelado no chão. Do chão , olhando para Athena, Kensou pôde ver apenas que ela usava uma saia vermelha cheia de rendas. Athena pensou em puxar Kensou pelo braço, mas como qualquer contato físico entre os dois era perigoso para a saúde (do Kensou), apenas disse para ele levantar.
Kensou levantou e olhou para Athena. Em segundos , Kensou tinha seu veredito da roupa : achara Athena linda como sempre. Ela estava usando botas vermelhas até o joelho , detalhe que Kensou estranhou, pois geralmente a equipe de produção dela deixava as pernas dela à mostra. Isso era contrabalançado pela saia, vermelha com rendas brancas e armada, bem ao gosto das cantoras de j-pop kawaii. Apesar de kawaii, a saia era bem curta. A parte de cima da roupa era composta por uma blusinha sem mangas , com uma abertura bem no meio do peito e com um coraçãozinho no pescoço. Aliás, Kensou estranhou todos aqueles corações na roupa de Athena (nas botas, na tiara e na blusa), já que ela sempre preferia estrelas e ele sabia disso. Mas, mesmo que não estivesse 100% de acordo com a roupa, não deixava de achar Athena linda, isso era inevitável para ele.
- Você é o primeiro que está vendo a roupa depois de pronta, o que achou? - perguntou Athena
Kensou parou de babar por um instante e tentou se concentrar o suficiente para responder.
- Você está muito bem - foi a resposta que ele conseguiu articular.
- Você acha mesmo? - perguntou Athena de volta. Kensou estava achando muito estranho tudo aquilo, por que Athena estaria valorizando tanto a opinião dele hoje? Ela parecia estar se esforçando para agradar, e quem fazia isso sempre era ele.
- Claro! - respondeu ele, quase gritando, como quem responde uma pergunta idiotamente óbvia. Kensou disse isso e ficou quieto, embora Athena, conhecendo-o, sabia que ele ia dizer mais uma coisa. Só ficou surpresa com o que ele disse:
- Só ... não gostei desse... decote aí bem no meio da sua blusa... assim, vão ficar olhando para os seus...os seus....
Era a primeira vez que Kensou criticava algo nas roupas de Athena, sua atitude normal era apenas concordar quase cegamente e dizer que ela estava linda. Athena, surpresa com isso, sorriu sem graça:
- Te he... fazer o quê, né?
Os dois ficaram em alguns segundos por algum tempo até que Athena disse:
- ... e também vou usar essa roupa no King of Fighters 2003.
- No King of Fighters 2003?? - exclamou Kensou , surpreso - puxa, eu já estava achando que não ia nem ter esse ano! Quando foi que chegaram os convites que eu não vi?
Athena respondeu olhando para Kensou de uma maneira que mostrava que a notícia por vir não era boa.
- Kensou , eu ... como eu posso dizer isso? Er.....
Athena começou a gaguegar e Kensou entendeu que a notícia por vir era a que ele menos queria receber. Quando Athena levantou a cabeça para falar, eram os olhos de Kensou que estavam baixos:
- Entendi.....você vai lutar.... não nós, é isso? - disse Kensou, com uma voz que Athena não tinha ouvido partir dele ainda até hoje.
Athena não conseguia mais encontrar o olhar de Kensou, apenas via seus cabelos em frente aos olhos , e seria mentira se disséssemos que para ela também não foi difícil responder:
- É.
Kensou continuou de cabeça baixa.
- Perguntei para Chin o que ele achava e ele disse que eu já estou bem o suficiente para lutar em companhia de outro time e ...
Athena parou , pois Kensou parecia não mais estar ouvindo. Até que lágrimas brotaram dos olhos dele e ele saiu correndo da frente dela sem dizer mais nada.
.......

Dezembro de 2003. A data marcada par o começo do torneio de artes marciais The King of Fighters 2003 começar havia chegado.
Pouco antes de Athena entrar no estádio, foi despedir-se dos outros Psycho Soldiers . Encontrou Chin e Bao apenas. Não pôde deixar de estranhar, mas não disse nada ; despediu-se normalmente. Mas ainda estava se perguntando onde estava quem não estava ali naquele instante.
Quando as membros do "Schoolgirls Team" estavam prestes a entrar na arena, Hinako virou-se para trás para falar com Athena (a última da fila) , querendo perguntar se ela estava muito nervosa. Ao invés disso, acabou gritando:
- Athena, olha lá!
E apontou para trás. Athena virou-se e viu Kensou entrar correndo no mesmo túnel onde elas estavam e que levava ao estádio.
- Athena!! Athenaaa!!! - gritava Kensou, desesperado, achando que não havia sido ouvido. Para a surpresa das outras meninas do time (que já sabiam de toda a novela entre os dois), Athena voltou para trás no túnel e foi falar com ele :
- Kensou, você não deveria estra aqui! - disse Athena, nervosa, com medo de que xingassem Kensou ou algo assim - Porque você não se despediu de mim lá fora, como os outros ?
- Queria ser a sua última lembrança antes de entrar no estádio - disse Kensou, ainda esbaforido. Athena teve tempo apenas de murmurar "Kensou..." baixinho e ele continuou:
- ... e vc n podia entrar no estádio sem isso - disse, Kensou, abrindo o casaco e tirando algo de dentro . Era um nikuman. Com um coraçãozinho em cima. Athena estendeu as mãos e pegou o bolinho. E foi a última coisa que fez, pois logo em seguida uma tela de vidro enorme surgiu do teto do túnel e pôs-se exatamente entre ela e Kensou : isso era parte do alarme de última chamada, aquele que anunciava quando todos os lutadores deveriam ingressar na arena agora ou não lutariam. A tela de vidro bloqueava o túnel para que ninguém mais entrasse ou saísse. As garotas começaram a apressar Athena e ela recomeçou a andar em direção ao estádio. Virou uma última vez para trás. Viu o rosto de Kensou colado à tela de vidro, chorando; ele nem ao menos pudera ouvir o "obrigado" que Athena dissera ao receber o nikuman. Mas , apesar da tela de vidro abafar os sons, Athena podia ouvir as palavras dele, pois Kensou gritava, e muito:
- Athena!! Athena, eu gosto muito de você!!! Athena!!
Athena não sabia o que fazer e, embora isso também magoasse a ela, seguia andando em direção à arena. Até que Kensou, com toda a sua voz, gritou por último:
- Athena!!! Eu te amo!!!!
Ela virou-se de sobressalto, os cabelos roxos movendo-se no ar : Kensou dizia diariamente que gostava dela , mas nunca havia dito que a amava. Apesar dos dos gritos de "Athena, nós estamos atrasadas!" das suas colegas de time, Athena voltou até onde Kensou estava. As outras meninas, que sabiam que oficialmente Athena não correspondia aos sentimentos de Kensou na mesma escala que recebia estes, ficaram surpresas quando viram a pequena marca de batom deixada na tela de vidro, bem na altura de onde estava o rosto de Kensou, que olhava para sua Athena sem conseguir deixar de chorar.

Monday, March 05, 2007

Transmimento de Pensação

[02:43] ·$47Noodle: Pô, o Gled disse exatamente o q eu ia dizer o.O
[02:43] ·$01I'm a ·$04S·$01uper-hero - The answer is 42·$00: é a convivência, Noodz

E que escritora medíocre ela era, só sabia falar de si mesma.
Sentada na frente do pc, ela lembrava daquele diálogo no aeroporto, enquanto o avião aguardava para levantar vôo. E a garota ao lado, que até poucos momentos atrás era sua inimiga, anunciou:
- Ela está com dor de barriga.
E aí a garota falou sobre a "ligação forte" que as duas tinham, que permitia que uma experienciasse o que a outra sentia. Está certo, ela não era a pessoa mais cética do mundo, mas na hora aquilo pareceu demais, até mesmo para ela. Sentir dores de barriga alheias? Pffff.
Se ela ainda pensasse da mesma maneira a respeito disso, ela não estaria sentada em frente ao pc agora.
Tudo que ela sabia era que ele não estava bem. Ele e sua mania de usar meias palavras, metáforas, retóricas e semelhantes balelas, não havia esclarecido praticamente nada. Mas ela sabia o que estava acontecendo.
Enquanto ela estava deitada na cama, em meio a bichos de pelúcia, questionando-se quão sexy ela estaria com a camisola que então usava, subitamente cenas começam a passar na sua mente.
Raiva, muita raiva. Cenas de bar. Cervejas. Armas. Homens jogam cartas. Raiva, muita raiva. Cheiro de cigarro no ar. E qualquer coisa com cara de Pulp Fiction.
- Raiva?
Escrivaninha, armário, cama, e ele anda pelo quarto. Ela pode ouvir a voz dele. Ele está com raiva. Imagens cortadas, diálogos cortados. Respostas atravessadas.
- Ele está com raiva?
Rostos femininos. Rostos que ela reconhece. As imagens se passam rápido.
É muita coisa para uma cabeça só. Os pensamentos começam a se sentir claustrofóbicos. Duas cabeças em uma?
- Eu estou sentindo a raiva dele!
E que diferença faz um artigo!
Ela arregala os olhos. Sim, ela sabe o que está passando na mente dele. Mas que diabos! Ela já tinha mais "histórias de fantasmas" do que seria considerado normal! Ela já havia sido chamada de louca por causa dessas coisas! Quem iria acreditar se ela contasse isso?
Fiapos de diálogo chegam à mente dela.
- "Não é a primeira vez!"
Ela sabe de quem ele fala. Como cartas de um baralho sendo reveladas, tudo se encaixa na mente dela. *Poof!*
As cartas estão na mesa. Ela ouve palavras não-ditas, mais do que ela poderia contar a alguém. Contar? Que diferença faria, ninguém acreditaria mesmo. Nem o próprio.
Ela começa a andar pelo quarto, o babado da camisola balançando seguindo o movimento dos seus quadris. Pára em frente ao computador, procura os óculos. Abaixa a cabeça, pensa no que deve fazer. À meia-luz, ela fica a olhar o decote da própria camisola, os bicos túmidos dos seios. O Firefox está aberto no orkut. Ao acessar a comunidade comum a todos eles, observa que o único amigo que ainda a segue em sua jornada acaba de postar a menos de 5min dali. Acessa o blog da amiga. Posts sobre ursos, cachorrinhos. "Viu, é assim que se escreve, tonta! Falando suas intimidades para todos, você nunca fará sucesso!"
Ela sabe que isso é verdade. Ela lembra do seu próprio blog. O blog no qual as pessoas lêem posts sem comentar. Ela sabia que umas três pessoas já haviam lido o post mais recente, mas nenhuma comentara. "Se eu escrever isso no blog, vai ser EXTREMAMENTE óbvio de quem eu estou falando", pensou ela. E a pessoa de quem ela está falando provavelmente acharia ridículo tudo isso. "Sentir dores de barriga alheias? Pffff."
Ela começa a digitar freneticamente, tão forte quanto seus braços aguentam. Parece que só isso faz o cérebro aliviar.
E que escritora medíocre ela era, só sabia falar de si mesma. Mas agora , tudo que ela fez foi dar de ombros e dizer: "Que se dane!"

Tuesday, February 27, 2007

25 impressões e observações de Noodle sobre o orkontro em Itanhaém, a viagem a São Paulo e outras reticências:

-> São Paulo NÃO funciona 24h por dia.
-> Mesmo que anos de prática digam o contrário, nunca diga: "Eu não descasco depois da praia".
-> O cúmulo da globalização: ir no bairro da Liberdade e comer no McDonald's.
-> Por mais que se tente, existem situações em que palavrões são insubstituíveis:"Caralho, essa coisa voa! Caralho, caralho, caralho!"
-> Comissários de bordo têm muitas das desvantagens de atendentes de telemarketing, mais o fato de que eles são vistos pelos clientes.
-> Fotos, especialmente as de paisagens, parecem com poesias: algumas pessoas, perante elas, se emocionam, choram, ficam tocadas profundamente. Outras não vêem nada, absolutamente nada. (o.O)
-> Você dizer algo para a mãe de alguém e ver ela reagir exatamente da mesma maneira que o filho é, para dizer o mínimo, surpreendente.
-> Mais pernas e peitos à mostra implica ser melhor tratada por homens randômicos.
-> O cúmulo da zica: conseguir um CD com músicas da banda que você mais está querendo ouvir no momento e o CD acabar QUEBRANDO!
-> Metal cantado em português não é tosco.
-> Quem disse que os homens eram iguais à crianças mongas estava certo.
-> Quem disse que o homem quer sexo quando a mulher quer estava errado.
-> Lado bom de ser turista: poder fazer perguntas que, para habitantes locais, são óbvias e idiotas.
-> Lado ruim de ser turista: coisas que para os habitantes locais são óbvias passam batidas para você. E você se ferra por isso.
-> A sensação de ver alguém importante para você lembrar de algo que você disse SEM segundas intenções é o tipo de coisa que sempre vai te deixar feliz
-> Homens são teimosos. São capazes de negar até a morte algo que disseram e de afirmarem até a morte que disseram algo que não haviam dito.
-> Às vezes, a pessoa com quem você está menos contando é a que acaba te ajudando pra caramba.
-> Mentira tem perna curta. Falar pelas costas também.
-> Sendo brasileiro, ninguém está imune à axé, funk e outras brasileirices. Nem mesmo o mais hardcore dos punks, nem mesmo o mais metaleiro dos headbangers: ninguém está imune.
-> Mesmo que as palavras digam o contrário, sempre vai ter uma pequena ação para trair todo o discurso.
-> Apenas tendo seu nome completo e sua idade, mesmo que nunca tenham visto a sua cara, as pessoas já fazem um pré-julgamento de você.
-> Um lanche caro em Porto Alegre será ainda mais caro comprado em SP.
-> Um toque de celular já passa idéias aos outros a seu respeito, mesmo que eles não conheçam a música.
-> Até mesmo as coisas underground em SP têm cara de coisas de shopping.
-> São Paulo é grande, fedida e me decepcionou em vários aspectos. Mas mesmo assim, gostei dela pra caramba.

Saturday, February 03, 2007

Sore ga atashi no seikaku dakara. Ou, porque esta é minha personalidade.

[00:11:29] Codigo 166:: (vc sabe qual o nome da musica de abertura e do encerramento do samurai X na saga do chichio..(seja lá como se escreve isso))

Uma fã de anime em meio a amigos que não são fãs de anime de vez em quando passa por isso. E por mim não haveria nenhum problema se eu realmente conhecesse as séries a respeito das quais me perguntam.

Tenho duas amigas de longa data que gostam de anime. Uma tem preferências quase ou tão underground quanto as minhas, mas não compartilhamos as mesmas séries. A outra gosta das séries que um fã de anime brasileiro mediano gosta. Ou seja, dentre outras séries, ela gosta de Kenshin.

Rurouni Kenshin? É, isso mesmo. A primeira vez que ouvi falar de Rurouni Kenshin (também conheido como"Samurai X"), eu me interessei pela série. Bastante até. Mas o anime levou tantos milhares de anos para chegar ao Brasil que, quando de fato era possível assistir, eu "já estava em outra", digamos. Além do que, eu tenho a maldita síndrome de underground acoplada à mim naturalmente: as séries de anime de que eu costumo gostar não são as mais populares entre o público brasileiro. Não é que eu goste de ser underground ou que eu goste de sofrer: é apenas uma concidência extremamente azarada. Esta é minha personalidade mesmo.

Porém, agora que Kenshin não é um anime novidade, agora que posso comprar praticamente a série de mangá completa em apenas uma ida à Jambô, algo me fez esbarrar com Kenshin de novo. Que coisa, não?

E o que me fez esbarrar com Kenshin de novo? Uma das minhas mais recentes paixões musicais: Judy and Mary. Esse é o nome de uma banda japonesa que, apesar de ter acabado já, mantém uma legião de fiéis fãs. E uma das minhas músicas favoritas disparadas da banda chama-se Sobakasu. Eu amo essa música, amo o som sujo que a guitarra tem nela, amo aquela parte da música que tudo pára e fica apenas a voz da vocalista com o baixo ao fundo. Amo os backing vocals toscos no começo da música dizendo "Let's go!", amo a voz da vocalista.

E o que Kenshin tem a ver com isso? Oras, Sobakasu é a primeira abertura de Rurouni Kenshin!


Sobakasu (tradução)
Judy and Mary

Toquei levemente aquelas odiadas sardas e suspirei,
Meu amor "classe A" se dissolveu claramente
Exatamente como um cubinho de açúcar
O espinho enterrado em meu delicado seio
avançou ainda mais fundo
E machucou bem mais que antes
Astrologia não pôde previr isso

Eu desejei que pudéssemos ir mais longe juntos,
Isso seria maravilhoso o suficiente para...

Lembranças são sempre lindas,
Mas apenas disso não se pode viver.
Hoje deveria ser realmente uma noite triste,
Mas por quê?
Na verdade, não consigo lembrar de seu rosto sorrindo.

Eu entendo dar um tempo e então voltar novamente
Porque esta é minha personalidade;
Com sentimentos impacientes e incerteza
Os quais ainda assim estão aptos ao bom amor

Coloquei um piercing na minha orelha esquerda pra esquecer,
É um episódio do qual não consigo rir.

Contando a quantidade de sardas
Envolvendo as pintas e tudo
Mas o espinho perfurando meu seio não desaparece.
Meu sapinho e meu coelhinho de pelúcia
Sorriem e me confortam.

Lembranças são sempre lindas,
Mas apenas disso não se pode viver.
Foi uma noite realmente dura
Ainda assim, me pergunto por quê?
Por que não consigo me lembrar das lágrimas daquela pessoa?
Não consigo me lembrar,
Por que não consigo?


Agora que você já leu a tradução, me diga uma coisa: o que diabos Sobakasu tem a ver com Kenshin??? Pela letra, faria mais sentido Sobakasu ser a abertura do anime das Meninas Super Poderosas do que de Rurouni Kenshin! Mas, conhecendo o mercado japonês, não é tão difícil entender o porquê disso: colocando Judy and Mary como abertura, eles jogavam algo que já era sucesso em algo cuja intenção era que também fizesse sucesso. Mas que é estranho é. Ainda mais para mim, que passei por anos refutando uma série para ver ela "voltar" atrás de mim de novo.

Astrologia não pôde previr isso!

Sunday, January 28, 2007

Agora? Agora!

Este post não tem nenhum valor literário, apenas queria poder contar isso para alguém:
Entrei nessa comunidade pensando em uma certa pessoa...
Pois eis que eu estava parada na frente do pc, olhando a página do meu perfil no orkut, e disse o nome da comunidade em voz alta. Mal eu termino de falar e meu celular toca, com uma mensagem da pessoa que foi o motivo de eu ter entrado na comunidade...


Os pensamentos vão longe.

Wednesday, January 10, 2007

A Teoria do Combo

Não demora muito na vida de uma pessoa para que ela descubra seu papel no mundo. Nos primeiros anos da escola praticamente todo mundo já descobriu o seu papel, em parte "escolhido" por si proprio e em parte delimitado por terceiros. Antes dos dez anos de idade, a garotinha de olhos claros já entendeu que, fazendo beicinho, os meninos compram algodão-doce para ela. O menino alto e magrelo percebeu que, contando piadas, todos o ouvem. E a menina baixinha no meio dos livros já notou que os adultos a elogiam a cada nota máxima que alcança. Uma vez assimilados, nós seguimos carregando estes papéis pela vida afora.

Estes papéis ficam extremamente destacados na adolescência, fase na qual a popularidade e aceitação pública são privilégios restritos a alguns grupos. Na definição de Max, o filho do Pateta : Existem os populares e ...o resto. Não raro a noção que podemos genericamente chamar de "popularidade" restringe-se a grupos com certos padrões de aparência e comportamento. Geralmente os seres dominantes nestes grupos pertencem às categorias BB (bonitos e burros). Eles não precisam saber que Luís Carlos Prestes é um personagem histórico ou saber a diferença entre Os Sermões e Os Sertões: eles são bonitos, "gostosos", e não raro podem ficar com quem eles quiserem. E o resto? Ah, o resto se vira como pode, mantendo uma relação de amor e ódio com os BBs. Mesmo sabendo que os BBs nunca passarão naquele vestibular concorrido da universidade pública para a qual todo mundo quer ir, o Resto ainda sente inveja deles. As tentativas de contato entre o Resto e os BBs são praticamente sempre fadadas ao fracasso: afinal, todos nós sabemos o que acontece quando o menino CDF se apaixona pela "guria mais bonita da sala." Qualquer membro do Resto, mesmo tendo quase dois metros de envergadura ou mais de 100 de busto, nada consegue. Simplesmente ser parte do Resto anula seus atributos.

Mas ah, no Resto sempre há as criaturas com potencial. Potencial? É, O potencial. Esse tal Potencial é um item raro de ser percebido, mas geralmente ele está lá, escondido em algum canto obscuro daquele menino ou daquela garota que jaz em meio ao Resto. Normalmente, o Potencial já existe dentro deles, apenas está adormecido, por N razões. Se nosso membro do Resto se deu relativamente bem até hoje tirando boas notas, ele ainda não usou o Potencial, por não precisar ou simplesmente por não ter percebido a existência do mesmo. O Potencial é o que faz com que algumas criaturas façam uma escalada direto da classe do Resto para outra classe ainda mais alta do que a dos BBs: a classe dos Combos. E como nasce um Combo? Um belo dia, ele ou ela decide mudar e fazer tudo que queria fazer. Surge então o momento que nosso Candidato a Combo (CaCo) começa sua subida.

O processo, porém, não é tão simples quanto parece. Por mais que seus pais digam que você está gordo de tanto ficar no pc e por mais que suas amigas digam que, se você usasse roupas mais ousadas, você teria os homens a seus pés, nada disso ocorrerá se o próprio CaCo não quiser. Apenas uma coisa motiva o CaCo a virar um verdadeiro Combo: a sua própría vontade. A noção de vontade do Combo pode ainda ser dividida em dois ramos principais:

- Existem CaCos que, de tanto decepcionarem-se com os relacionamentos vida afora, decidem que começarão a agir como BBs. Decidem que "vão pegar todo mundo" e colocam a culpa na sociedade falida que os fez mudar.

- Em outros casos, o CaCo está lá, levando sua vida no mesmo marasmo restístico de sempre, quando ele se depara com A pessoa. Assim, por acidente, o CaCo encontra uma pessoa com várias das características que ele queria para si próprio e para uma pessoa com quem ele pudesse ficar e acaba, como nós vulgarmente chamamos, "apaixonado". Seja uma pessoa que também faça parte do Resto (pois Resto com Resto se entende), um BB ou até mesmo um outro alguém que entrou em Combo antes dele mesmo, nosso CaCo decide subir de nível para alcançar aquela pessoa. Decide-se tornar alguém com quem a outra pessoa se sinta bem e de quem a outra pessoa possa se orgulhar.

Apesar das diferenças conceituais, a transformação do CaCo em Combo é consideravelmente semelhante em ambos os casos. Claro que nem sempre este processo é consciente assim. Muitas vezes, o CaCo só se aperceberá da situação após ter se tornado Combo. Ou em alguns casos, nem chegará a perceber. Mas os BBs em volta perceberão quão atraente aquela garota ficou depois de começar a namorar. Não, não foi o namoro em si: foi a liberação do Potencial que ela tinha.

Isso por acaso fez o leitor pensar naqueles filmes adolescentes, no qual o personagem principal é tido como impopular, acaba mudando radicalmente e se dando bem na vida no final? Então, podemos dizer que o nosso nobre leitor, ao mesmo tempo, pensou certo e pensou errado. Sim, o processo de transformação em Combo é semelhante àquilo, porém, com muito menos glitter do que no cinema.

O processo de transformação de CaCo em Combo ainda implica passeios por outros terrenos que não os de domínio natural do CaCo. Por exemplo: alguns CaCos, com o intuito de parecerem mais adultos, podem começar a beber mais (o chamado "aprender a beber"). Outros, tendo em vista a saúde, podem beber menos. Porém, para o processo de Combo tornar-se completo, normalmente implica que os CaCos entrem em um campo que é quase exclusivo dos BBs: a aparência física. E, enquanto a BB típica reclama de que os homens a olham apenas como um pedaço de carne (mostrando assim uma certa auto-ciência do seu papel), o CaCo quer ser olhado como um pedaço de carne, pois nunca o olharam assim antes. O CaCo, totalmente fora da sua área, faz coisas que a princípio não faria - e acaba encontrando prazer nas mesmas. Privar-se de doces para emagrecer pode ser um suplício, mas no momento que se sente a diferença nas peças de roupa a compensação vale. E assim, aos trancos e barrancos, saindo das bibliotecas e indo para as academias, nosso CaCo vai aumentando sua auto-estima e ganhando mais confiança em si.

Agora....porque chamamos esta categoria com o nome de Combo? Simples: do seu passado de Resto, é mantida a inteligência e atributos mentais similares comuns aos membros do Resto. Com mais a valorização da aparência comum aos BBs, o resultado é um combo: em poucas palavras, "alguém bonito e inteligente". Para as garotas: combo é aquele cara forte o suficiente para carregar você nos seus braços e ainda recitar poesia no seu ouvido. Para os rapazes: combo é aquela garota que consegue atrair pelo corpo e pela boa conversa.

A conversa, aliás, é um atributo muito importante para um Combo. Por mais que nosso Combo seja tímido, é através disso que se mostrará seu mais legítimo lado Combo. Algumas vezes, por estarmos apaixonados, tomamos um BB por um Combo. E como testamos a diferença? Conversando. Combos em companhia de Combos poderão falar de assuntos normais a ambos, sem pagamentos de mico e sem que sejam ditas bobagens que BBs normalmente dizem quando tentam se aprofundar nessas áreas. Combos em companhia de Combos agem mais soltos e seguros de si, sem o sentimento de inferioridade que os assolava quando, ainda parte do Resto, se aproximavam de um BB. E, se agora o BB disser que a Europa é um país ou qualquer bobagem similar, o Combo, agora solto de suas amarras, simplesmente ignorará tal lance, pois sabe que um legítimo Combo não o faria.

O que o Combo ganha com essa mudança? Além da diferença na aparência, a conversa diplomática que ele pode exercer tanto com BBs quanto com membros do Resto e o interesse do seu eventual alvo, uma das sensações mais gratificantes para o Combo é a sensação de ser diferente, de ser "um em um milhão". Isso sim é algo impagável.

Thursday, January 04, 2007

A Platéia e a Necrofilia

[00:36] ·$01I'm a ·$04S·$01uper-hero - The answer is 42·$00: parem o mundo, eu quero descer
[00:37] ·$01I'm a ·$04S·$01uper-hero - The answer is 42·$00: por que essa merda não funciona igual parque de diversões?!
[00:37] ·$01I'm a ·$04S·$01uper-hero - The answer is 42·$00: vc levanta o braço, diz que tá passando mal e te deixam descer numa boa...
[00:37] ·$01I'm a ·$04S·$01uper-hero - The answer is 42·$00: seria melhor assim
[00:37] :@ ·$55Noodle: pq assim seria fácil demais
[00:37] :@ ·$55Noodle: a gente tem de sofrer um pouquinho
[00:37] :@ ·$55Noodle: senão a platéia n se diverte



A platéia. Ela está sempre lá. 2004, 2005, 2006, 2007, e a platéia segue lá. Onde? Lá, oras. No indiscutível, inquestionável lugar dela. Observando tudo. Decidindo quais vidas dão mais ibope ou não.
Já me disseram que eu deveria desistir do meu sonho de ser escritora por ser subjetiva demais. Já me acusaram de escrever sobre coisas desinteressantes, que não dão ibope. Já me acusaram de falar demais a respeito de mim mesma.
Então, agora é hora de encarar a platéia. É a hora do personagem parar no meio da tela, olhar para cima e começar a falar com o narrador. Ou melhor, gritar. Dizer que a vida é sua, independente dos olhares alheios que o cercam. Dizer que, por mais que os oráculos falem, ainda é você quem controla seu destino.
No meio do Coliseu, decido alimentar os leões. Atiro à platéia um texto. Um texto medíocre, repleto, recheado de referências pessoais. Porém, as referências estão mortas: o texto em questão foi escrito em 2004. Não são mais válidas. As pessoas se foram, mas o texto permanece.
Ruim? Talvez. Medíocre? Pode até ser. Mas ele alimentará a platéia, e assim o ciclo segue.




Crônica de uma morte não anunciada


E ninguém se lembrou de olhar no calendário que dia era.
Apesar disso, era um sábado. A mãe dela entrou para acordá-la normalmente, como em qualquer sábado. Não atinou que a filha estava com um pijama branco, que ela nunca tivera. Na verdade, uma camisola branca. A mãe gritou:
- Acorda, preguiçosa! É quase meio dia!
Como a filha não respondeu - o que era absolutamente normal - a mãe foi puxá-la pelo braço para que ela levantasse da cama. E então veio a parte anormal: no pulso não batia coração.
A mãe gritou apavorada, sem acreditar. Perdera primeiro o marido e agora a filha. Olhou para o rosto dela: não havia nenhuma expressão de dor nem nenhum machucado, parecia estar dormindo normalmente, podendo acordar a qualquer momento. Mas o coração não mais batia.
Providenciou-se laudo médico , autópsia e tudo o mais . O coração havia parado. Como, ninguém sabia dizer. Suicídio? Nenhuma substância tóxica foi encontrada no corpo. Causa Mostis: desconhecida. O pai culpou a mãe e , como não houvesse mais ninguém para culpar, a mãe culpava a Deus.Enquanto preparava-se o corpo para o enterro, telefones tocavam.
Nas casas de Andréia, Bruna, Carolina e Denise, todos receberam telefonemas de ordem estranha,nos quais uma voz infantil e andrógina avisava que algo tinha acontecido com ela. Na verdade, avisar não é o termo: apenas dava o recado de que ela ia ficar longe por uns tempos, recado que não parece muito lógico quando se trata de alguém que acabou de morrer.
Porém, todos vieram a saber da notícia; pois, como Bruna costuma dizer :" Notícias ruins chegam rápido". Quem mais chorou foi Andréia. Em relação a Bruna, embora costume dizer que não costuma chorar, também chorou. Já Carolina não sabia se deveria chorar embora quisesse e Denise, inconsciente de seu papel, apenas foi separar um de seus vestidos pretos (pois preto é chique) para o enterro. Mas alguém foi diferente.
Na casa de Evandro, um telefonema da mesma vozinha avisava que ela ia morrer e pedia : "por favor, vá no enterro dela", o que deixou Evandro meio sem ação, pois a conhecia a pouco tempo."E, quando for ao enterro, fale com Andréia", pedira ainda a voz. E, sob protestos de uma namorada ciumenta e que não estava entendendo nada, Evandro foi ao enterro.
Todos choravam. Inclusive o próprio dia: as nuvens vertiam lágrimas , dessas que fazem os humanos carregarem objetos chamados guarda-chuvas. Todos de preto, em volta de um corpo que não mais respira. A presença de algumas daquelas pessoas fora mais do que almejada por ela quando seu corpo ainda respirava. Mas agora ela já não queria mais nada, apenas os que estavam ao seu redor queriam algo dela que ela não podia dar.
Evandro chegou atrasado ao enterro. Viu todos saindo .Viu a mãe saindo apoiada pelas irmãs, totalmente em prantos. Viu o pai saindo com a outra, que não havia chegado a conhecê-la viva pois achara que ainda era cedo. Viu garotas de pele muito branca, com ar de estrangeiras, chorando muito. Viu meninas de cabelo curto sozinhas e acompanhadas. Todas choravam. Viu uma garota de óculos, que chorava pouco, mas que segurava forte junto ao peito um vasinho de flores amarelas. Por fim, viu Andréia parada em frente ao túmulo. Sem ter certeza do que fazer, aproximou-se.
- Com licença, você é Andréia?
- Quem é você? - respondeu Andréia, virando-se bruscamente,os olhos vermelhos de tanto chorar.
- Meu nome é Evandro - começou ele - e eu conhecia ela no dia do ....
- Ela me falou de você - cortou Andréia - Como você ficou sabendo?
- Você não acreditaria se soubesse. - disse ele.
Enquanto ele contava o que acontecera, a chuva era absorvida pela terra que cobria o caixão dela. E todos continuavam vivendo. Andréia deixou o país, Bruna voltou para casa, Carolina continuava seu namoro feliz e Denise seguia com suas boas notas na faculdade. Evandro tinha uma namorada chamando-o de louco por causa da história do telefonema, mas estava bem.
E ninguém se lembrou de olhar o calendário. Seis meses se passaram.
Era uma segunda. A mãe resolveu tomar coragem e, em uma faxina dessas que só podem ser realizadas em uma segunda - feira, resolveu abrir o quarto da morta. E então ela não era mais morta.
E então ela não era mais morta porque, quando a mãe abriu aquele quarto, encontrou-o igual ao que encontrara seis meses atrás. O ventilador ligado, o computador ligado e, mais do que qualquer detalhe, sua filha dormindo na cama. Com uma longa camisola branca, semelhante a uma veste angelical, a garota dormia normalmente. Até mesmo o cachorro de pelúcia, que a acompanhava desde os dez anos de idade, estava lá. A mãe gritou apavorada novamente e lançou-se em cima da filha que, atordoada, não entendia nada e apenas dizia que dormira demais.
Logo a notícia correu o país e foi capa daqueles jornais sensacionalistas vendidos por cinquanta centavos. Assim como depois de morrer, a menina foi submetida a vários exames médicos. Ninguém concluiu nada. A única queixa dela era de ter dormido demais. E admirava-se de ninguém tê-la acordado.
Assim, ela voltou para quem ela mais queria : Evandro não conseguiu fazer muita coisa além de sorrir encabulado do jeito que ela gostava, Denise disse-lhe que as flores ainda estavam vivas, Carolina disse que era bom tê-la de volta, Bruna segurou-a bem forte e disse que ela não fizesse isso de novo.
Andréia estava fora do país. Até o dia em que ela apareceu na sua frente. Andréia correu na direção dela e lançou-se em seus braços. "Não faça isso, sua namorada pode não gostar", disse ela.
Andréia não disse nada, apenas ficou ali, abraçando-a forte.
E ninguém se lembrou de olhar o calendário. Era dia vinte e sete.


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Prefácio e Copy Desk feitos ao som de:

Cássia Eller - 1º de Julho
Cássia Eller - De volta para Casa
Rádio Táxi - Eva

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