Thursday, January 04, 2007

A Platéia e a Necrofilia

[00:36] ·$01I'm a ·$04S·$01uper-hero - The answer is 42·$00: parem o mundo, eu quero descer
[00:37] ·$01I'm a ·$04S·$01uper-hero - The answer is 42·$00: por que essa merda não funciona igual parque de diversões?!
[00:37] ·$01I'm a ·$04S·$01uper-hero - The answer is 42·$00: vc levanta o braço, diz que tá passando mal e te deixam descer numa boa...
[00:37] ·$01I'm a ·$04S·$01uper-hero - The answer is 42·$00: seria melhor assim
[00:37] :@ ·$55Noodle: pq assim seria fácil demais
[00:37] :@ ·$55Noodle: a gente tem de sofrer um pouquinho
[00:37] :@ ·$55Noodle: senão a platéia n se diverte



A platéia. Ela está sempre lá. 2004, 2005, 2006, 2007, e a platéia segue lá. Onde? Lá, oras. No indiscutível, inquestionável lugar dela. Observando tudo. Decidindo quais vidas dão mais ibope ou não.
Já me disseram que eu deveria desistir do meu sonho de ser escritora por ser subjetiva demais. Já me acusaram de escrever sobre coisas desinteressantes, que não dão ibope. Já me acusaram de falar demais a respeito de mim mesma.
Então, agora é hora de encarar a platéia. É a hora do personagem parar no meio da tela, olhar para cima e começar a falar com o narrador. Ou melhor, gritar. Dizer que a vida é sua, independente dos olhares alheios que o cercam. Dizer que, por mais que os oráculos falem, ainda é você quem controla seu destino.
No meio do Coliseu, decido alimentar os leões. Atiro à platéia um texto. Um texto medíocre, repleto, recheado de referências pessoais. Porém, as referências estão mortas: o texto em questão foi escrito em 2004. Não são mais válidas. As pessoas se foram, mas o texto permanece.
Ruim? Talvez. Medíocre? Pode até ser. Mas ele alimentará a platéia, e assim o ciclo segue.




Crônica de uma morte não anunciada


E ninguém se lembrou de olhar no calendário que dia era.
Apesar disso, era um sábado. A mãe dela entrou para acordá-la normalmente, como em qualquer sábado. Não atinou que a filha estava com um pijama branco, que ela nunca tivera. Na verdade, uma camisola branca. A mãe gritou:
- Acorda, preguiçosa! É quase meio dia!
Como a filha não respondeu - o que era absolutamente normal - a mãe foi puxá-la pelo braço para que ela levantasse da cama. E então veio a parte anormal: no pulso não batia coração.
A mãe gritou apavorada, sem acreditar. Perdera primeiro o marido e agora a filha. Olhou para o rosto dela: não havia nenhuma expressão de dor nem nenhum machucado, parecia estar dormindo normalmente, podendo acordar a qualquer momento. Mas o coração não mais batia.
Providenciou-se laudo médico , autópsia e tudo o mais . O coração havia parado. Como, ninguém sabia dizer. Suicídio? Nenhuma substância tóxica foi encontrada no corpo. Causa Mostis: desconhecida. O pai culpou a mãe e , como não houvesse mais ninguém para culpar, a mãe culpava a Deus.Enquanto preparava-se o corpo para o enterro, telefones tocavam.
Nas casas de Andréia, Bruna, Carolina e Denise, todos receberam telefonemas de ordem estranha,nos quais uma voz infantil e andrógina avisava que algo tinha acontecido com ela. Na verdade, avisar não é o termo: apenas dava o recado de que ela ia ficar longe por uns tempos, recado que não parece muito lógico quando se trata de alguém que acabou de morrer.
Porém, todos vieram a saber da notícia; pois, como Bruna costuma dizer :" Notícias ruins chegam rápido". Quem mais chorou foi Andréia. Em relação a Bruna, embora costume dizer que não costuma chorar, também chorou. Já Carolina não sabia se deveria chorar embora quisesse e Denise, inconsciente de seu papel, apenas foi separar um de seus vestidos pretos (pois preto é chique) para o enterro. Mas alguém foi diferente.
Na casa de Evandro, um telefonema da mesma vozinha avisava que ela ia morrer e pedia : "por favor, vá no enterro dela", o que deixou Evandro meio sem ação, pois a conhecia a pouco tempo."E, quando for ao enterro, fale com Andréia", pedira ainda a voz. E, sob protestos de uma namorada ciumenta e que não estava entendendo nada, Evandro foi ao enterro.
Todos choravam. Inclusive o próprio dia: as nuvens vertiam lágrimas , dessas que fazem os humanos carregarem objetos chamados guarda-chuvas. Todos de preto, em volta de um corpo que não mais respira. A presença de algumas daquelas pessoas fora mais do que almejada por ela quando seu corpo ainda respirava. Mas agora ela já não queria mais nada, apenas os que estavam ao seu redor queriam algo dela que ela não podia dar.
Evandro chegou atrasado ao enterro. Viu todos saindo .Viu a mãe saindo apoiada pelas irmãs, totalmente em prantos. Viu o pai saindo com a outra, que não havia chegado a conhecê-la viva pois achara que ainda era cedo. Viu garotas de pele muito branca, com ar de estrangeiras, chorando muito. Viu meninas de cabelo curto sozinhas e acompanhadas. Todas choravam. Viu uma garota de óculos, que chorava pouco, mas que segurava forte junto ao peito um vasinho de flores amarelas. Por fim, viu Andréia parada em frente ao túmulo. Sem ter certeza do que fazer, aproximou-se.
- Com licença, você é Andréia?
- Quem é você? - respondeu Andréia, virando-se bruscamente,os olhos vermelhos de tanto chorar.
- Meu nome é Evandro - começou ele - e eu conhecia ela no dia do ....
- Ela me falou de você - cortou Andréia - Como você ficou sabendo?
- Você não acreditaria se soubesse. - disse ele.
Enquanto ele contava o que acontecera, a chuva era absorvida pela terra que cobria o caixão dela. E todos continuavam vivendo. Andréia deixou o país, Bruna voltou para casa, Carolina continuava seu namoro feliz e Denise seguia com suas boas notas na faculdade. Evandro tinha uma namorada chamando-o de louco por causa da história do telefonema, mas estava bem.
E ninguém se lembrou de olhar o calendário. Seis meses se passaram.
Era uma segunda. A mãe resolveu tomar coragem e, em uma faxina dessas que só podem ser realizadas em uma segunda - feira, resolveu abrir o quarto da morta. E então ela não era mais morta.
E então ela não era mais morta porque, quando a mãe abriu aquele quarto, encontrou-o igual ao que encontrara seis meses atrás. O ventilador ligado, o computador ligado e, mais do que qualquer detalhe, sua filha dormindo na cama. Com uma longa camisola branca, semelhante a uma veste angelical, a garota dormia normalmente. Até mesmo o cachorro de pelúcia, que a acompanhava desde os dez anos de idade, estava lá. A mãe gritou apavorada novamente e lançou-se em cima da filha que, atordoada, não entendia nada e apenas dizia que dormira demais.
Logo a notícia correu o país e foi capa daqueles jornais sensacionalistas vendidos por cinquanta centavos. Assim como depois de morrer, a menina foi submetida a vários exames médicos. Ninguém concluiu nada. A única queixa dela era de ter dormido demais. E admirava-se de ninguém tê-la acordado.
Assim, ela voltou para quem ela mais queria : Evandro não conseguiu fazer muita coisa além de sorrir encabulado do jeito que ela gostava, Denise disse-lhe que as flores ainda estavam vivas, Carolina disse que era bom tê-la de volta, Bruna segurou-a bem forte e disse que ela não fizesse isso de novo.
Andréia estava fora do país. Até o dia em que ela apareceu na sua frente. Andréia correu na direção dela e lançou-se em seus braços. "Não faça isso, sua namorada pode não gostar", disse ela.
Andréia não disse nada, apenas ficou ali, abraçando-a forte.
E ninguém se lembrou de olhar o calendário. Era dia vinte e sete.


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Prefácio e Copy Desk feitos ao som de:

Cássia Eller - 1º de Julho
Cássia Eller - De volta para Casa
Rádio Táxi - Eva

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