Sunday, March 18, 2007

RC: The Other Side.

Recentemente resolvi abrir o armário no qual eu guardava meus sonhos, e esbarrei com um deles dormindo, lá num canto escuro. Era o sonho de um dia lançar um livro de minha autoria. Esse sonho é gordinho e sedentário, pois é alimentado há vários e vários anos. No entanto, os olhos dele são muito sensíveis à claridade, pois ele nunca vira o sol. Praticamente ninguém que me conhece sabia da existência dele. Guardei um outro sonho meu, que estava magro e cansado de tanto trabalhar, e resolvi tirar esse sonho do armário. Para isso, tive de mexer em outro armário, o armário no qual guardo algumas das minhas idéias literárias, digamos assim, e colocá-las para fora também.

Todas as vezes que vocês lerem este pequeno texto que vocês estão lendo agora antes de um conto aqui no blog, significa que esse conto está sendo cogitado para o meu livro. Por isso, quer você seja uma pessoa desconhecida acessando randomicamente meu blog ou quer você seja um amigo meu que me conhece a anos, peço que você comente. Se você estiver lendo isso antes do texto, e se você vir as iniciais RC no título do texto, por favor comente o que achou a respeito dele aqui no blog, pois estes textos necessitam de um feedback. Talvez vocês vejam textos irem e voltarem, textos serem postados mais de uma vez, com apenas pequenas diferenças no texto original. É assim mesmo que é para ser.

No momento, as idéias estão correndo por aí, como hamsters na esteira. Preciso da ajuda de vocês para saber quais delas devem continuar ganhando ração após a corrida.





RC: The Other Side.



The Grass is always greener on the other side.
Side, Travis





Todo dia era a mesma coisa. Minutos e mais minutos amontoavam-se sendo desperdiçados dentro de um ônibus, cheio de gente, e isso tudo apenas para se chegar onde se precisava chegar. Apenas a jornada já era cansativa, o que dirá o resto do dia?
À medida que o ônibus entrava na Free-way, era possível ver as expressões paradas das pessoas contrastando com a paisagem se movendo rapidamente do lado de fora da janela. Uma massa amorfa de pessoas indo trabalhar, indo estudar, indo, enfim, cuidar das suas vidas. Um rebanho de pessoas paradas dentro de uma caixa se movendo estrada afora.
Para quê?
Era isso que ela se perguntava, olhando pela janela. Ela bocejava, mecanicamente passando a mão pelos seus cabelos lisos. Ver seu próprio reflexo contra a janela, ver seu rosto flutuando em meio à paisagem da rua seria surreal, se já não tivesse visto isso todo dia. Rotina. Até mesmo algo surreal, em contato com a rotina todo dia, acaba desbotando.
- Roberta!
Roberta virou-se e olhou para a garota sentada ao seu lado no ônibus. O vento que entrava pelas janelas abertas do ônibus fazia o longo cabelo da garota ondular, às vezes cobrindo seu rosto. Ela repetiu o gesto mecânico de passar as mãos no próprio cabelo, enquanto ouvia a garota falar:
- Ontem estreou a segunda temporada de Card Captor Sakura! Agora a Sakura converte as Cartas Clow em Cartas Sakura, e elas ficam cor-de - rosa!
Era normal ela largar um assunto assim, do nada. Sempre que Roberta ficava quieta, ela se encarregava de não deixar a situação por muito tempo assim. Parecia a Roberta que ela queria apenas um pretexto para ouvir a voz dela, como se qualquer assunto no fundo apenas servisse para carregar consigo um "Ei, fale comigo!" embutido atrás.
- É mesmo? - disse Roberta, olhando para ela e logo em seguida voltando o olhar para a janela - e o Shaoran, como fica nessa temporada?
Com Roberta tendo dito seu turno, agora ela seguiria falando. Roberta gostava do som da voz dela, era suave e infantil. Mas, com a própria Roberta perdida nos seus pensamentos, a voz dela era apenas uma suave e infantil música ambiente. Junto com as árvores passando rapidamente do lado de fora, Roberta sentia que algo estava se indo. E rápido, como a paisagem lá fora. Mas o quê?
- Ei, eu perguntei o que você acha! - Roberta levou um cutucão no braço. Ela não estava a par do assunto. Apenas ouvia a voz dela ao fundo. Sim, ela gostava de ouvir ela falar. Então, onde estava o problema?
- Eu acho que a Sakura deveria ficar com a Tomoyo - arriscou Roberta, sem ter certeza de a quantas o assunto andava. Ela sentia algo se esvaindo, algo sendo levado embora junto com o vento que soprava forte dentro do ônibus. Ela olhou para a garota ao seu lado. Desejou que ela dissesse o que havia de errado. Desejou que ela dissesse o que estava se indo.
- Eu também acho! - respondeu ela, com um grande sorriso, os olhinhos negros brilhando. Ela parecia tão feliz simplesmente por estar ao lado de Roberta, apenas por isso!
Não, ela não podia ler seus pensamentos. Claro que ela não poderia dizer o que ocorria, disse Roberta para si própria, tentando se convencer.
E a cena se repetia dia após dia. Roberta seguia perdida em seus próprios pensamentos. Até que, na sexta-feira, algo de diferente brotou, como uma flor que nascera perdida sozinha no alto da montanha:
- Você já se perguntou para onde vão todas essas estradas?
Roberta virou-se e olhou para ela subitamente, sem nem passar a mão nos cabelos. Será que, de tanto pensar, o vento levara os pensamentos de Roberta voando até a mente dela? E ela apontava para fora, traçando com os dedos linhas que seguiam as diferentes estradas da Free-way.
- São tantas estradas, e a gente segue sempre a mesma. O que será que tem nas outras?
Nas outras estradas, o que haveria nas outras estradas? Certamente algo que vivo e brilhante, que não haveria ainda desbotado pela rudeza do contato diário com a rotina.
- Depende da estrada - respondeu Roberta, sem conseguir colocar seus pensamentos em palavras. Mas ah, a semente estava lançada. As outras estradas, claro!
E então o domingo chegou.
Os mesmos raios de sol que costumavam incomodar os olhos das duas quando elas estavam dentro do ônibus agora entravam janela adentro e encontravam a garota de cabelos longos dormindo. Dormia ela, com uma camisolinha branca, e foi assim que Roberta, que estava de jaqueta de couro e calças jeans, encontrou-a quando ela abriu a janela. Atrás de Roberta havia um carro vermelho, com o porta-malas abarrotado de coisas. Roberta apontou para o carro e disse:
- Pegue suas coisas e vamos embora!
A confusão era evidente nos grandes olhos negros dela, que olhavam para Roberta e piscavam, silenciosamente pedindo uma explicação. Roberta ajudou-a arrumar suas coisas e, com uma grande mala, as duas entraram no carro e foram se afastando cada vez mais da casa dela. Logo a paisagem familiar fez com que ela começasse a reconhecer o caminho que ambas estavam pegando: era o mesmo do ônibus de todo dia.
Por fim, o carrinho vermelho chegou na Free-way. Roberta olhou pra ela e, com um sorriso maroto, disse:
- Vamos ver o que há nas outras estradas?
Ela não respondeu, apenas manteve os olhos arregalados enquanto viu Roberta atirar o carro para fora da estrada, caindo no matagal que ladeava o acostamento. E quem passasse ali de ônibus naquela hora veria o carrinho vermelho abrindo seu próprio caminho em meio ao mato da beira da estrada, tocando a grama fresca e novinha que ainda não havia sido pisada antes.







Post escrito ao som de:

Garnet Crow - Kaze to Rainbow
Garnet Crow - Kono te o Nobaseba
Garnet Crow - Mawari Michi

3 comments:

daniel said...

Tens grande talento para escrever, isso é notável e invejável (eu queria escrever assim)...
Contos curtos demais as vezes parecem meio sem sentido, mas gostei!

Carlos Eduardo said...

Faço minhas as palavras do Sr. Zanella, com apenas uma ressalva: títulos em inglês não ficam tão legais...

Lettuce :) said...

cara, eu sou assim tb, sabia? quando eu sento na janela do ônibus eu fico perdida nos meus pensamentos, completamente fora do ar. as vezes as pessoas puxam papo comigo e eu dou uns "aham" automaticamente, mas eu sempre estou devaneando e não estou dando a menor atenção. XD