Monday, December 18, 2006

Marílias, Dinamenes, Miyazawas ...e todas pelo amor!

Hoje estava eu no consultório médico, esperando para ser atendida, lendo Marília de Dirceu e com dor nos braços apenas do "esforço" ter de segurar o livro na altura dos olhos. E realmente, Tomás Antônio Gonzaga escreve pra caramba, domina 500 técnicas diferentes de métrica ao longo das liras. Deve ter levado um tempo danado para fazer isso. E, se ele fez isso, é porque Marília ele não tinha. Isso faz sentido? Até faz, mas não quer dizer que verdade seja. E para isso, ilustro-lhes falando do meu tatatatatatataravô e exemplo-mor em termos de poesia, Luís Vaz de Camões.

Quem olha as nobres ilustrações representando Camões deve imaginá-lo como um ricaço, que não tinha nada mais a fazer da vida e decidiu escrever um poema épico. Que nada! Camões era de uma família de ex-ricos, um boêmio que vivia arranjando briga, se ferrando no emprego (era funcionário público, o coitado) e sempre perdendo as gurias no fim das contas.

A musa-mor de Camões foi a loirinha Beatriz. Mas, talvez devido à influência das loiras na minha vida, sempre simpatizei mais com a Dinamene. E talvez pelo fato de Camões tê-la conhecido em Macau, sempre imagino-a com feições orientais. Uma chinesinha andando em roda de Camões reclamando do excesso de tempo que ele dedicava àquele monte de rimas ao invés de dar atenção para ela - qualquer semelhança com Namoradas vs. Playstation é mera coincidência?

Até que surge o naufrágio nas águas do Rio Mekong. Dinamene morre e vira poema. Aliás, poemas:

Ah! minha Dinamene! Assi deixaste
quem não deixara nunca de querer-te?
Ah! Ninfa minha! Já não posso ver-te,
tão asinha esta vida desprezaste!

Como já para sempre te apartaste
de quem tão longe estava de perder-te?
Puderam estas ondas defender-te,
que não visses quem tanto magoaste?

Nem falar-te somente a dura morte
me deixou, que tão cedo o negro manto
em teus olhos deitado consentiste!

Ó mar, ó Céu, ó minha escura sorte!
Que pena sentirei, que valha tanto,
que inda tenho por pouco viver triste?


Mas Camões também estava no barco. E quase morreu. E para que ele dirigiu suas preocupações? Para o salvamento....dos manuscritos de Os Lusíadas. Dinamene estava certa, no fim das contas. E Camões devia saber disso. Mas o que seria dele sem ter feito Os Lusíadas? Ele foi racional, colocou o "lado profissional" em primeiro lugar, sabendo do que isso faria por Portugal e pela então obscura língua portuguesa. Iria Dinamene querer um cara fracassado que não fez nada de muito legal na vida? Lógico que na cabecinha masculina de Camões a resposta seria não. É verdade que, assim como os poemas, é conhecido o fora que ele deu ao não salvá-la. Mas, em mais uma brilhante citação da minha alter-ego mangática Miyazawa Yukino, a guria doidinha de Karekano, existem fatos que só conseguimos enxergar porque não deram certo. E agora, uns 600 anos depois, sejam eles espíritos iluminados ou estejam eles no Céu, ele pode olhar para ela e dizer: "Olha, Dinamene, eu sou importante! Eu fiz algo inesquecível!" E me agrada a idéia de que eles estejam usufruindo algum tipo de poética existência etérea juntos. Mais servira, se não fora para tão longo amor tão curta a vida! :D

Alma minha gentil, que te partiste
tão cedo desta vida, descontente,
repousa lá no Céu eternamente
e viva eu cá na terra sempre triste.

Se lá no assento etéreo, onde subiste,
memória desta vida se consente,
não te esqueça daquele amor ardente
que já nos olhos meus tão puro viste.

E se vires que pode merecer-te
alguma cousa a dor que me ficou
da mágoa, sem remédio, de perder-te,

Roga a Deus, que teus anos encurtou,
que tão cedo de cá me leve a ver-te
quão cedo de meus olhos te levou.



~+~


Parte audível do dia:

Coheed & Cambria - Time Consumer
Junko Iwao & Tomoeda Shogakkou Chorus - Yoru no Uta, Christmas Version
Yumi Takada - Fun Fun [Karekano OST]
Taking Back Sunday - Summer Stars

Parte legível do dia:

Marília de Dirceu
Volume três de Karekano

Post escrito ao som de:

Yumi Takada - Fun Fun [Karekano OST]

1 comment:

Anonymous said...

Depois de ter ouvido um jovem de uns 15 anos dizer, do alto da sua sabedoria infanto-juvenil, que Camões escrevera uns poemas muito básicos, julguei que não nunca mais na vida ouviria disparate tão grande. Até que li (com quase 1 ano de atraso) este seu post !.....